04/01/2011

Filme: O piano



Após ver o filme "O Piano" com o João, tivemos uma agradável conversa sobre nossos pontos de vista sobre o filme.
É interessante como a experiência de um filme ou de uma construção artística, de modo geral, pode ser igualmetne apreciada com palavras completamente diferentes, mas que buscam traduzir alguma coisa de universal que fica da apreensão.



O filme tem um roteiro simples, mas muito bem encaixado. Trata-se de um conflito nas condições materiais de sobrevivência com as condições subjetivas de sobrevivência. Isso aparece na mente de um homem que traz a Nova Zelândia do sec. XIX uma senhora para casar-se por contrato. Essa senhora é muda, por opção, e sua forma de expressão é a música - tocada através do piano - e os gestos, que são interpretados pela filha do seu casamento anterior. O dilema que está na mente de Stewart, um colonizador que não vê possibilidade nem necessidade de levar o piano à sua casa (no interior da ilha).

A razão pela qual vejo um casamento perfeito de cenário e narrativa é precisamente por que, dadas as condições rudimentares do lugar e a necessidade que Ada tinha de seu piano, a atitude de deixar o piano apodrecer na maresia possibilita um desenlace inesperado. O piano se torna o eixo do drama do casamento de Stewart e Ada e esse drama ocorre por uma determinada maneira que ele tinha de compreender o espaço e as necessidades dele nesse espaço.

A presença de Ada na aldeia de colonizadores não é desprezada por outros habitantes. Bela, triste e em crise por não ter seu piano, dos homens ela ganha admiração pela beleza e das mulheres ganha desconfiança de ser louca.

Essa situação somente começa a mudar quando um vizinho, Baines, decide trocar um pedaço de terras pelo piano, em um trato feito com Stewart sem o consentimento de Ada. A idéia de Baines é ter aulas com Ada e, aos poucos, seduzí-la.



Nesse ponto, acredito que uma das mensagens mais fortes do filme é transmitida. A forma de sedução que Baines empreende toca em Ada a formação de seu caráter. Ela é uma mulher que conhece a arte e que leva uma vida moral de acordo com os padrões europeus da época. É através da arte que ele penetra na vida dela e essa forma de participação é precisamente aquilo de que ela está afastada, uma vez que seu marido não tinha o menor interesse pelo piano. A sedução é moral e ética nessa história, pois o campo reservado para apresentação do interesse dele por ela inclui deixá-la expressar-se ao piano e, desse modo, fazer dela aquilo que ela é.

Na sedução Baines articula o interesse de Ada pelo piano e joga isso ao seu favor deixando que ela demonstre ser quem ela crê ser e, nesse ponto, onde ela vê sua expressão ser garantida por esse homem, ocorre o interesse.

Outro ponto importante, que vem a corroborar o argumento do filme, é a cena onde Ada, num lance desesperado joga-se ao mar com o seu piano. Essa cena ocorre no seu retorno à Europa. ocasionado pela destruição do seu casamento devido ao relacionamento com Baines. Ela se joga ao mar, aparentemente, pela falta de perspectivas em voltar a tocar piano, uma vez que num acesso de raiva seu Stewart lhe cortara um dedo. Essa falta de perspectiva, que implicaria na perda do seu principal meio de expressão, a leva a tentar o suicídio onde a imagem da própria morte seria a de estar amarrada ao piano, como uma criança está amarrada à mãe pelo cordão umbilical.

O cordão umbilical é uma das cenas que sabemos estar na nossa origem e, se a origem responde por alguma parte do que somos, o piano, nessa cena, responde por aquilo que ela é. A cena, como bem comentou meu amigo João, é uma cena onde ela chega ao ponto zero de sua existência. Imaginar a própria morte é uma forma de traçar o limite de sua própria consciência do mundo.

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