24/05/2010

...Angoisse

Quem sabe passa ao escrever...


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Recorro aos amigos para expressar um pouco da angustia acumulada de três dias sem sol. Essa angustia, como toda angustia, é causada pela proximidade de algo que não se consegue saber. Ela guarda seu segredo mais no movimento de sua aproximação do que na certeza que tenho de senti-la.

Angústia de onipotência poderia chamá-la: ela é causada pela mais pela minha incapacidade de ter prazer com as coisas legais do mundo que pela falta de graça no mundo. Talvez eu deva conviver mais com crianças, talvez eu deva gastar um pouco mais de dinheiro numa boa comida. Talvez eu deva ver mais os amigos.

Claro que nenhuma delas é solução se sou eu quem não consigo me adequar, contudo, sabe-se lá, se numa dessas situações encontro o alento até o proximo golpe.

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A certeza que esse blog traz é a de não ficar só. De não falar ao vento. O conforto de ser lido é fundamental nesse blog. Ao menos para mim. Se não fosse alguém que me escuta, qual o sentido de falar? Como diz um psicanalista que gosto: "Como falar sem pressupor que haja algo a ser compreendido?". Parece que no ato discursivo há um "outro" de natureza nebulosa que é necessário. Esse outro pode ser meu interlocutor, em quem suponho um mundo compartilhavel; um mundo em que algum sentido pode ser vivido de forma semelhante. Sem esse outro, por que falar? Poderia calar e aguentar o silêncio eterno. Viver baixo a hipótese quase inverificável de que todas as pessoas são máquinas que respondem precisamente aos movimentos do meu pensamento que se tornam atos de fala ou corpóreos. Por que buscar algum sentido? Ou o que é pior, sem o sentido, como alcançar o outro?
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Se estivesse ao meu alcance nomear minha angustia diria que ela vem disso: da dificuldade de alcançar o outro e de imaginar que no outro é muito provável encontrar algo semelhante. Talvez a melhor forma de alcançar o outro é ver como ele torna real o seu mundo. Isso talvez seja a atividade do psicanalista. Estar presente e ser testemunha do momento em que o mundo torna-se algo sustentável para alguém e não mais uma boca afigurada como uma ameaça constante que pode tragar a vida das pessoas e arruinar o que aprendemos a amar.

3 commentaires:

  1. Deixa disso, meu caro! Faz assim: dois dias sem sol, um com sol, dois sem sol, um com sol. Desse jeito tu nunca vai ficar três dias na angústia e ainda aproveita pra ficar de bobeira no dia ensolarado. Só faz mais uma coisa: me convida.

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  2. Se falar necessita de alguém a escutar (e concordo, sempre admirei quem mantém um diário secreto, mas sempre desconfiei que essas pessoas só escrevem para serem descobertas), também é verdade que a graça do mundo necessita de um "interlocutor". Com isso quero dizer que não creio mais na "angústia de onipotência". Porque não há graça no mundo sem alguém que tenha prazer com o mundo. Boa comida não é boa em si. Nem mesmo a diversão é divertida em si. Nenhuma graça é dada. Se esta tua angústia fosse assim como a angústia que me acompanhou até recentemente, diria que, em vez de onipotência, é uma angústia de impotência: ser incapaz de dar sentido.

    Por que estou fazendo esta distinção? Porque se realmente este é o caso, crer em uma angústia de onipotência pode levar-nos a uma espera eterna por algo que venha de fora (comida, amigos), quando a coisa começa dentro.

    Qual a solução?

    Cara, e pensar que eu aprendi a solução contigo! Sim, talvez não me ensinaste como um professor ensina um aluno, mas me fizeste ver aspectos de coisas que não via. Continuo incapaz de encontrar sentido, mas isso não é problema pois sentido não se encontra. O que sou capaz hoje que não era ontem, é de DAR sentido, pelo menos a certas "coisas" ( entendido como tudo aquilo que está "fora", logo, sempre em perspectiva a alguém que olha de "dentro"). Que "coisas"? Vocês, por exemplo. Sim, vocês. Mas não explico mais. Talvez baste esse desafogo de Exupèry que cito abaixo (passsagem do livro "Terra dos Homens"). Com isso quero dizer que nossa geração (minha e tua) é madura a ponto de se angustiar, pois só conhece o "sentido da conquista" (que nossos pais nos ensinaram) enquanto é, justamente, incapaz de sustentá-lo. A solução não está em uma volta à imaturidade e inocência, sustentando a conquista, mas na descoberta do sentido de habitar.

    "Somos todos bárbaros novos que ainda se maravilham com seus novos brinquedos. Não têm outro sentido nossas corridas de avião. Este sobre mais alto, aquele corre mais depressa. Esquecemos por que o fazemos correr. A corrida, provisoriamente, fica mais importante que o seu próprio objetivo. E sempre é assim mesmo. Para quem funda um império o sentido da vida é conquistar. O soldado despreza o colono. Mas o fim da conquista do soldado não é o estabelecimento do colono? Assim, na exaltação de nossos progressos, fizemos com que os homens servissem ao estabelecimento de vias férreas, à construção de usinas, à perfuração de poços de petróleo. De certo modo esquecemos que essas construções são feitas para servir ao homem. Nossa moral foi, durante o período da conquista, uma moral de soldados. Mas agora precisamos colonizar. Precisamos dar vida a essa casa nova que ainda não tem fisionomia. A verdade, para um, foi construir; para outro, é habitar."

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  3. Gracias Ado!
    Esse meu derramamento foi o exercício da tentativa de dar alguma forma àquilo que eu vinha sentido. Concordo que angustia de onipotência não pode ser o caso. O foda nisso tudo é que o que eu sentia era algo repudiante. Não só para mim, mas talvez também para os outros.
    Imagina, "angustia de onipotência"? É quase uma palhaçada da minha parte.

    Talvez o mais interessante nisso tudo, para além de qualquer definição, é que aprendo contigo o que não sabia saber.

    P.S. Bonito esse negócio: O saber habitar. Isso é realmente muito tocante à minha relação com meu pai.

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