Eu não sei o que pensar. Por um lado a questão que Foucault coloca parece-me pertinente: para Foucault, a natureza humana (essência) só aparece (podemos identifica-la) em sociedade; segundo Chomsky, a justiça baseia-se em tal natureza humana; logo, diz Foucault, a sociedade é condição para justiça (e não o contrário).
Mas, por outro lado, penso que a justiça parece estar relacionada com o caráter cultural/social de forma assimétrica e irreversível o que sinaliza que por trás desse conceito há mais que mera cultura. A cultura ocidental levou-nos, por exemplo, a desenvolver o cálculo (a oriental não). Assim que os orientais aprenderam o cálculo, não puderam deixar de aceitá-lo. Isso porque o cálculo é, em certo sentido, "real" (ao menos como aplicado em teorias físicas "reais"). A justiça também parece ser, nesse sentido, irreversível. Um exemplo de um livro que estou lendo: quando camponeses alemães compreenderam em 1525 que a exploração por parte da Igreja Católica não era necessária (que podia ser diferente), passaram a tratá-la como injusta (estou falando das primeiras fases da reforma). E, uma vez que se adquiriu tal conhecimento (e falo de camponeses, não de intelectuais), não há como voltar atrás e viver na "velha cultura". Esse não seria um sinal de que justiça se aproxima de características intrínsecas do homem que transcendem os aspectos culturais? Afinal, se algo é transcendente à cultura não significa que este algo seja automaticamente conhecido pelo homem independente da cultura.
Toda a questão é: a justiça é algo que depende da cultura ou é apenas o conhecimento de justiça que depende da cultura? Se algum de vcs leu o livro do Rawls, o experimento imaginário que ele sugere foi aplicado em diversas culturas ou so testado em ocidentais? O que será que um Talibã diria para Rawls?
"Afinal, se algo é transcendente à cultura, não significa que este algo seja automaticamente conhecido pelo homem independente da cultura." *** Caro Mr.A. acredito que o que tu recolocou é central na separação dos argumentos. Talvez Foucault não negue em momento algum que o homem possa conhecer o verdadeiro sentido da justiça, o que talvez esteja no cerne do seu argumento é que a cultura seja condição de possíbilidade para esse conhecimento. De alguma forma me parece plausível em função de um componente: existiria algum conceito de justiça que não envolvesse alteridade com outra pessoa? Ou no límite, com o mundo? Justiça com o que? De que? Para quem? Me parece que se a cultura joga algum papel no conhecimento do sentido de justiça esse papel deve ser encenado pelo ator da "alteridade", uma vez que "justiça" me parece um conceito que supõe relação e cultura (no sentido de comunidade de linguagem) parece ser um componente essencial à qualquer alteridade.
Analogamente à esse argumento poderimos dizer que a linguagem é condição de possibilidade para conhecer o mundo, mas o mundo não é algo real em função da linguagem.
*** Por mais que a questão seja sobre se a justiça é algo que depende ou não da cultura, ela me parecer ser rodeada de imprecisões quanto aos termos e quanto ao que de fato estmos buscando: Estamos falando da definição verdadeira de justiça? Podemos dizer que a Justiça é algo que produzimos conceitualmente, tal como artistas?
Ou quem sabe estamos falando possibilidade dela se realizar? Se ela for irrealizavel,isso torna ela falsa? Podemos dizer que a justiça se realiza independente de saber quais são seus limites conceituais?
"Analogamente à esse argumento poderimos dizer que a linguagem é condição de possibilidade para conhecer o mundo, mas o mundo não é algo real em função da linguagem."
Exatamente isso que eu quis dizer com o exemplo do cálculo. E todo lance está na palavra "conhecer". Se a linguagem fosse condição de possibilidade para o mundo (e não para conhecer o mundo), aí então o mundo seria real em função da linguagem.
O que me parece porém é que para Foucault o papel da cultura na justiça (mais do que isso, na natureza humana) é fundadora. Logo não é apenas condição de possibilidade para conhecer a justiça, mas para a justiça em si. Que ela joga um papel no conhecimento da justiça somos todos de acordo. Mas que a cultura joga um papel no fundamento do conceito justiça tenho minhas dúvidas.
E o exemplo mais dramático que levanta dúvidas é aquele sugerido por John Rawls. Temos que ler esse livro e discutir! Que tal? Tema para muitos posts!!
Com relação à teoria do Ralws, falo muito toscamente, pois ainda não compreendo a obra em sua totalidade, mas poderia dizer que é certo que a sua proposta para uma teoria política da justiça compreende apenas sociedades democráticas. Ele pretende encontrar os princípios de justiça para regular a estrutura básica de uma sociedade democrática. A idéia é que se as instituições mais fundamentais são bem ordenadas e justas, e existir um mecanismo de transmissão da justiça para as demais instituições mais complexas, a sociedade democrática poderá ser justa. Talvez essa citação responda bem a questão de com que tipo de sociedade Ralws pretende dialogar: “Uma das metas praticáveis da justiça como equidade é fornecer uma base filosófica e moral aceitável para instituições democráticas e, assim, responder à questão de como entender as exigências da liberdade e da igualdade. Para tanto, voltamo-nos para a cultura política pública de uma sociedade democrática, e para as tradições de interpretação de sua constituição e de suas leis básicas, em busca de idéias familiares que possam ser trabalhadas e transformadas numa concepção de justiça política”. Pg.6-7 justiça como equidade, Ralws.
Eu não sei o que pensar. Por um lado a questão que Foucault coloca parece-me pertinente: para Foucault, a natureza humana (essência) só aparece (podemos identifica-la) em sociedade; segundo Chomsky, a justiça baseia-se em tal natureza humana; logo, diz Foucault, a sociedade é condição para justiça (e não o contrário).
RépondreSupprimerMas, por outro lado, penso que a justiça parece estar relacionada com o caráter cultural/social de forma assimétrica e irreversível o que sinaliza que por trás desse conceito há mais que mera cultura. A cultura ocidental levou-nos, por exemplo, a desenvolver o cálculo (a oriental não). Assim que os orientais aprenderam o cálculo, não puderam deixar de aceitá-lo. Isso porque o cálculo é, em certo sentido, "real" (ao menos como aplicado em teorias físicas "reais"). A justiça também parece ser, nesse sentido, irreversível. Um exemplo de um livro que estou lendo: quando camponeses alemães compreenderam em 1525 que a exploração por parte da Igreja Católica não era necessária (que podia ser diferente), passaram a tratá-la como injusta (estou falando das primeiras fases da reforma). E, uma vez que se adquiriu tal conhecimento (e falo de camponeses, não de intelectuais), não há como voltar atrás e viver na "velha cultura". Esse não seria um sinal de que justiça se aproxima de características intrínsecas do homem que transcendem os aspectos culturais? Afinal, se algo é transcendente à cultura não significa que este algo seja automaticamente conhecido pelo homem independente da cultura.
Toda a questão é: a justiça é algo que depende da cultura ou é apenas o conhecimento de justiça que depende da cultura? Se algum de vcs leu o livro do Rawls, o experimento imaginário que ele sugere foi aplicado em diversas culturas ou so testado em ocidentais? O que será que um Talibã diria para Rawls?
"Afinal, se algo é transcendente à cultura, não significa que este algo seja automaticamente conhecido pelo homem independente da cultura."
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Caro Mr.A. acredito que o que tu recolocou é central na separação dos argumentos. Talvez Foucault não negue em momento algum que o homem possa conhecer o verdadeiro sentido da justiça, o que talvez esteja no cerne do seu argumento é que a cultura seja condição de possíbilidade para esse conhecimento. De alguma forma me parece plausível em função de um componente: existiria algum conceito de justiça que não envolvesse alteridade com outra pessoa? Ou no límite, com o mundo?
Justiça com o que? De que? Para quem? Me parece que se a cultura joga algum papel no conhecimento do sentido de justiça esse papel deve ser encenado pelo ator da "alteridade", uma vez que "justiça" me parece um conceito que supõe relação e cultura (no sentido de comunidade de linguagem) parece ser um componente essencial à qualquer alteridade.
Analogamente à esse argumento poderimos dizer que a linguagem é condição de possibilidade para conhecer o mundo, mas o mundo não é algo real em função da linguagem.
***
Por mais que a questão seja sobre se a justiça é algo que depende ou não da cultura, ela me parecer ser rodeada de imprecisões quanto aos termos e quanto ao que de fato estmos buscando:
Estamos falando da definição verdadeira de justiça?
Podemos dizer que a Justiça é algo que produzimos conceitualmente, tal como artistas?
Ou quem sabe estamos falando possibilidade dela se realizar? Se ela for irrealizavel,isso torna ela falsa?
Podemos dizer que a justiça se realiza independente de saber quais são seus limites conceituais?
Abração
"Analogamente à esse argumento poderimos dizer que a linguagem é condição de possibilidade para conhecer o mundo, mas o mundo não é algo real em função da linguagem."
RépondreSupprimerExatamente isso que eu quis dizer com o exemplo do cálculo. E todo lance está na palavra "conhecer". Se a linguagem fosse condição de possibilidade para o mundo (e não para conhecer o mundo), aí então o mundo seria real em função da linguagem.
O que me parece porém é que para Foucault o papel da cultura na justiça (mais do que isso, na natureza humana) é fundadora. Logo não é apenas condição de possibilidade para conhecer a justiça, mas para a justiça em si. Que ela joga um papel no conhecimento da justiça somos todos de acordo. Mas que a cultura joga um papel no fundamento do conceito justiça tenho minhas dúvidas.
E o exemplo mais dramático que levanta dúvidas é aquele sugerido por John Rawls. Temos que ler esse livro e discutir! Que tal? Tema para muitos posts!!
Com relação à teoria do Ralws, falo muito toscamente, pois ainda não compreendo a obra em sua totalidade, mas poderia dizer que é certo que a sua proposta para uma teoria política da justiça compreende apenas sociedades democráticas. Ele pretende encontrar os princípios de justiça para regular a estrutura básica de uma sociedade democrática. A idéia é que se as instituições mais fundamentais são bem ordenadas e justas, e existir um mecanismo de transmissão da justiça para as demais instituições mais complexas, a sociedade democrática poderá ser justa.
RépondreSupprimerTalvez essa citação responda bem a questão de com que tipo de sociedade Ralws pretende dialogar:
“Uma das metas praticáveis da justiça como equidade é fornecer uma base filosófica e moral aceitável para instituições democráticas e, assim, responder à questão de como entender as exigências da liberdade e da igualdade. Para tanto, voltamo-nos para a cultura política pública de uma sociedade democrática, e para as tradições de interpretação de sua constituição e de suas leis básicas, em busca de idéias familiares que possam ser trabalhadas e transformadas numa concepção de justiça política”. Pg.6-7 justiça como equidade, Ralws.
Penso ser o mundo algo 'comum' em função da linguagem.
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