18/10/2010

tentativa I

Quanto me falta pra descobrir que as coisas são feitas por uma razão inexplicável e incompreensível. Queria voltar ao meu estado de ignorância, de busca por sentimentos falsos e vãos. Queria não ser frio, e esperava que as sucessões de erros de cálculo me fizessem perceber que não sou um bom racionalizador. Queria me voltar contra mim mesmo e como represália me tornar um sentimental, aproveitar os sonhos, os cantos, as paisagens e as dores da vida, e senti-las tão profunda e intensamente. Mas não. Não as sinto e não as compreendo. Fico a mercê do meu poder calculativo, deliberando meus erros, abstraindo os sentidos [ou subtraindo os sentidos]. Pois, mais do que qualquer coisa eu sei que só a razão não basta. Mas mais do que isso, há confusão em meus pensamentos; talvez me esteja propício para escrever versos. Talvez devesse tomá-los como tomo teus soluços e suspiros, devia me embriagar de tuas lágrimas, e esperar que elas fizessem me compadecer um sentimento que sempre sonhei que pudesse acordar tendo. Nunca o tive.

Esperei por mais tempo que devia, antes pensava poesia, livre de significações, de fronte para uma ante-sala, acanhado, olhando à parede, olhando às marcas do tempo na parede. Frustrei a lógica [e falei sem medo]; respeitando a peculiaridade poética da irracionalidade sentimental; não me importei com conseqüências indesejadas, tampouco parei por não respeitar leis estéticas obtusas e vagas; falei com a dor da minha boca, e senti o pavor das minhas entranhas; estranho. Vivo estrangeiro, vagueando terras sem esmo; ermo; insólito eremita inconsolado, roto pela grandeza dos meus sonhos; esfarrapado pelo peso de meus fracassos. Um dia sonhei ser velho, vi-me a beira da morte, nauseado pelas falsas glórias, com vertigem pela fugacidade e o contentamento.

Esperei três horas para acordar. Não por estar com sono, mas porque os meus pés estavam destapados. Vi o peso de meu tempo, vi o fardo dos meus sonhos; e os abandonei; eram grandiosos demais para ninguém; estava na beira; via a lua me sorrir com um sorriso quase vulgar. Vi o céu se abrir com uma calma peculiar. Esperei. Esperei pelos versos, que me falharam; hoje me arrependo pelo meu voto de silêncio; ninguém merece ver o que eu vi sem poder falar nada; ninguém merece ser quem fui sem poder abrir a boca;

Minutos atrás versava na chuva, fumava o cigarro da minha vida, e as gotas impregnavam a poesia em meu pensamento; sentia como a chuva em minha face – palavras -; era um balbucio, gaguejava pensamentos aéreos, hesitava com palavras fingidas a dor que não me tinha. Os acasos da vida, as cenas improváveis que vivemos todos os dias; de tal acaso retiro o peso da minha vida; vejo o preço das minhas escolhas como grilhões; como cordas e amarras;

Minha inexpressiva capacidade de relacionar. Talvez por isso busque os absolutos; lá me entendo; sempre um solitário, sempre excluindo sentidos e relações. Num vago mundo mágico e ilusório; construi de minha incoerência uma fantasia; gastei com o tempo minha reserva de alegria; abri mão dos meus contrários; tornei-me um lógico [talvez algo que sempre fui]; o preço foi abrir mão das possibilidades incoerentes das relações e dos sentimentos;

Busco com todas as minhas forças o desconforto; um desconforto absoluto; saboto minhas expectativas, mascaro meus sonhos; simulo sentimentos insensíveis; dissimulo na falta de pensamentos; [e isso para fingir uma leveza pretensiosa, um falso sabor de liberdade]. Não dá! Não consigo continuar carregando esse fardo; esse peso indesejado que me faz curvar;

Faltou-me viver a vida. E não por alguma alegria fugaz ou por qualquer motivo [das inumeráveis desculpas que nos impomos] irresponsável. Não vivi por escolha; acomodei-me com meu simulacro, falsifiquei minha caligrafia para parecer santo [eu, o descrente]; logrei os sentidos para parecer bom [eu, o egoísta]; acomodei as metáforas para parecer gênio [eu, o acomodado]; se sou santo, bom ou gênio, é porque aprendi desde cedo a fingir o que não era. Como não sentia, precisava imaginar metáforas e analogias para que não me percebesse pedra; osso; frio; hoje em dia sou um quase-humano; finjo que não me sou; [fazendo de mim meu fingimento]
Eu e meu deserto; talvez nunca estive onde estou. Sinto-me no deserto; e chove tanto na rua... aqui dentro é frio e não sinto o gelo em meus pés. Mas nada que não tenha sentido antes; o infortúnio de uma vida não aproveitada, a falta de apreço; a acomodação. Queria sair correndo; mas o deserto é movediço, e me afundo em desilusão.

Vendo minha face [no espelho] constato que sou estranho a minha carne; sou alheio ao corpo que me faz jus; carrego meu fardo indolente [com todo o peso do insensível]. Vivo como um espectro; mas fora...

Escrevo. Vivo minha busca letra por símbolo; palavra por sentido; analogia por metáfora; procuro meu ritmo no insustentável; conquisto rimas por distração; vivo como nas águas do rio de Heráclito: fluo [,seja por derivação, seja por abstração] na precisão de meu movimento; vou [,como se nada houvesse] ao encontro da abstração e da poesia.

9 commentaires:

  1. não era bem isso... hehehe; mas tbm não dá pra ficar parado.

    RépondreSupprimer
  2. Acho que depois que a gente conhece um sentimento que é verdadeiro e útil é que a gente pode dizer que já buscou alguns falsos e vãos nessa vida. Cabrón!

    RépondreSupprimer
  3. E por falar em insustentável, tu já leu A Insustentável Leveza do Ser?

    RépondreSupprimer
  4. http://umcadernosemdono.blogspot.com/2010/10/re-tentativa-i.html

    RépondreSupprimer
  5. sim isoca, tava lendo por esses dias...

    RépondreSupprimer
  6. Ce commentaire a été supprimé par l'auteur.

    RépondreSupprimer
  7. Cássio. Já tinha lido esse texto.
    O que posso dizer é que na dialética do eu e do outro, há algum mistério em que o reconhecimento de si pela mera presença do outro, do olhar, do escutar, que também liberta.
    Nesse sentido, aquele que não se expressa é um prisioneiro. Um servo e um impiedoso consigo.
    Acho que com esse texto, mais com a publicação dele, finalmente tu te ajudaste um pouco.
    Publish or Perish.

    RépondreSupprimer
  8. tu ta bem certo, depois do dia que eu tentei "provar" que estava louco, eu percebi que estava com problemas... hehehe
    conto com a ajuda dos amigos :)

    RépondreSupprimer
  9. Cassio o que tu escreveu é muito belo, a coisa mais bonita e autentica que já li de ti. Fico feliz porque reconheço nesse escrito nossas conversas e teus questionamentos e percebo tuas metamorfoses lentas e sofridas se tornando criações escritas e criações em atos. Explico; nessas últimas semana te vejo mudado, mais sensível, mais maduro. Gosto como tu recebes minhas críticas, te vejo transformando tudo em coisas boas.

    RépondreSupprimer